EDUCAÇÃO DE SURDOS: UM CURRÍCULO PARA A CIDADE DE SÃO PAULO

DEAF EDUCATION: A CURRICULUM FOR SÃO PAULO CITY

Leila Sodré1

“Vamos precisar de todo mundo Pra banir do mundo a opressão Pra melhor unir as nossas forças É só repartir melhor o pão” Beto Guedes

RESUMO

72 | Este artigo busca compreender a trajetória de ações na educação do surdo e a construção do Currículo da Língua Brasileira de Sinais e de Língua Portuguesa Para Surdos para as Escolas Municipais Bilíngues e Escolas Polo Bilíngue Para Surdos na cidade de São Paulo. Neste artigo será mostrado o percurso de evolução das conquistas adquiridas por meio dos estudos científicos e pressões sociais para a educação especial inclusiva e do surdo que culminaram, no Brasil, nas promulgações da Lei nº 10.098, de 2000, e do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras) pela Lei nº 10.436, de 2002 e da educação em Libras pelo Decreto nº 5.626, de 2005.

Palavras chave: educação do surdo, educação inclusiva, Língua Brasileira de Sinais

ABSTRACT

This article seeks to understand the path of actions at death education and the construction of the Curriculum of Brazilian Signs Language and the Portuguese Language for Deaf Person in Public Bilingual Schools and Polo Bilingual Schools for Deaf People in the municipality of São Paulo. On this article, it will be shown the path evolution of the conquers achieved by scientific studies and the social pressures for special inclusive and the deaf education. It culminates at the promulgation of the 2000 Act No 10.098 in Brazil, and the recognition of the Brazilian Sign Language (Libras – in the Portuguese acronym) by 2002 Act No 10.436 and the education in Libras by 2005 Decree No. 5.626.

Keywords: deaf education, inclusive education, Brazilian Signs Language

Mestranda em Educação pela UDE. Licenciada em Letras e Pedagogia, especialista em Docência em Língua Inglesa pela UNESP. Professora titular em inglês na EMEF José Saramago, Escola Polo Bilíngue na SME-SP. Contato: leilasodre@yahoo.com

A presente sociedade moderna se constrói a partir da educação que compartilha seus bens e valores e a constitui como povo a partir dela. Estar inserido nessa sociedade perpassa pelo acesso e permanência nas unidades educativas a fim de poder usufruir e produzir os bens e compartilhar valores nela presentes.

Para compreender a Educação dos Surdos é necessário retroceder na história da educação que, a partir do século XVI, concebe a essência de igualdade para todos e, portanto, devem ser tratados como iguais embora possa haver diferenças sociais e econômicas que produzem desigualdade, sendo essa denominada pedagogia da essência. Para respeitarmos diferenças entre os indivíduos faz-se necessário respeitar as características de cada sujeito (SAVIANI,1989 Apud ALBRES, 2010 p.13).

A partir da Revolução Francesa, o lócus da educação dos surdos passa a ser questionado, se doméstico ou escolarizado. Isso gera um debate ainda maior porque se a educação deve ter um espaço social ela é entendida como um dever público e se a educação é doméstica então ela é entendida como um bem privado.

A escola surge num contexto capitalista que ocupa o tempo livre das crianças, que são substituídas por máquinas dado o avanço tecnológico. Elas passam a frequentar a escola com a intencionalidade de serem instruídas para adentrarem o mercado de trabalho melhor preparadas para execução de trabalhos com maior complexidade.

As pessoas surdas são agrupadas nessa sociedade industrial com o fim de tornarem-se produtivas para as fábricas. Apesar desse contexto capitalista de criação, a escola torna-se espaço privilegiado para a Formação da Língua de Sinais.

Nesse espaço histórico, a Educação dos Surdos recebe influência direta da concepção de linguagem como espelho da mente. Daí a importância de todos terem o direito assegurado à escola para que possam expressar suas ideias e sentimentos podendo exercer sua cidadania, preceito da Escola Nova e a principal bandeira daqueles que até os dias atuais lutam pela democratização do ensino.

A Educação dos Surdos, a priori, acontece em dois níveis: para os que têm poder econômico o acesso se dá ao ensino da fala, da escrita e da leitura e para aqueles cujas condições econômicas são desfavoráveis,

o acesso é apenas o ensino de sinais para comunicação imediata, a dimensão funcional do trabalho e da subsistência.

| 73 O Instituto Nacional de Jovens Surdos de Paris criado em 1756 por Abbé de L’Epée é a primeira escola para pessoas surdas. As experiências pedagógicas pautam-se nas experiências multissensoriais para criação e análise de procedimentos e métodos que passam a constituir o corpus de uma cultura escolar para surdos.

Essas experiências imigram da França para o mundo e chegam ao Brasil em junho de 1855 por meio de um projeto apresentado pelo professor Ernest Huet, surdo, indicado pelo Ministro de Instrução Pública da França para criar uma escola para surdos no Brasil. O Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (IISM) no Rio de Janeiro é patrocinado pelo imperador D. Pedro II e inicia suas atividades pedagógicas em 1º. de janeiro de 1857.

A Língua de Sinais Francesa é ensinada no IISM para os alunos que chegam de todos os estados brasileiros para receber instrução baseada no currículo oficial de ensino primário e ginásio em salas de 6 alunos por um período de 8 anos, no mínimo. Atividades extracurriculares como oficinas de mecânica, alfaiataria, carpintaria, tornearia e artes gráficas preparam os meninos para o mercado de trabalho. As meninas só podem frequentar o IISM décadas após sua fundação e em regime de externato e suas oficinas são de bordados, costura, tapeçaria e trabalhos de arte. A Língua Brasileira de Sinais só surgirá muito tempo depois e só é reconhecida tardiamente em 2002.

Paralelamente, estudos e experimentos científicos são realizados desde o século XVII a fim de restabelecer a condição ouvinte das pessoas surdas. A primeira prótese auditiva é criada a partir da invenção do telefone por Graham Bell, professor de deficientes auditivos em Boston.

Dois métodos de Educação dos Surdos se formam e dão origem a duas correntes que determinam encaminhamentos das pesquisas nas áreas da ciência e educação. Os oralistas defendem o ensino com intenção de oralizar as pessoas surdas, enquanto os manualistas defendem uma língua própria embasada em sinais.

Os oralistas ganham força e em 1880, no 2º. Congresso Internacional de Ensino de Surdos através de uma votação a Língua de Sinais, é oficialmente proibida. Nessa votação os professores surdos não têm o direito de votar.

Enquanto em alguns países a Educação dos Surdos-Mudos ocorre para formar produtores, no Brasil, em 1884, o direcionamento é para o ensino profissional ou para o campo agrícola (SOARES, 1999, apud ALBRES, 2010, p. 43).

No século XX, estudos sobre a mente humana embasados no comportamento e consciência humana na área de psicologia são realizados a fim de entender a atividade psíquica.

A Neurolinguística, ao comprovar que os sinais dos surdos são processados no lado esquerdo do cérebro, passa a subsidiar cientificamente o direito legal da pessoa surda a ter sua própria linguagem e, consequentemente, ser educada por meio dela.

O movimento iniciado pela Linguística nos Estados na década de 1960 culmina no reconhecimento de status de língua a linguagem gestual entre surdos.

Segundo o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) a Língua Brasileira de Sinais é consequência de intensas e incessantes lutas para seu reconhecimento:

No Brasil, já no final dos anos 1980, os surdos lideraram o movimento de oficialização da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Em 1993, um projeto de Lei deu início a uma longa batalha de legalização e regulamentação em âmbito federal, culminando com a criação da Lei nº 10.436 de 24 de abril de 2002, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais, seguida pelo Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que a regulamenta (INES, 2020).

Em verdade, apesar da proibição oficial a partir de 1880, a linguagem de sinais está presente nos ambientes educativos e se constitui como a língua dos surdos por ser usada pelos familiares, professores e alunos. Reconhecê-la como tal é afirmar o direito da pessoa surda a ser educada em sua língua materna.

No IISM, a Língua de Sinais é usada na sala de aula até 1957 quando foi proibida. Ela passa a ser a língua dos corredores e pátios praticada por todos da comunidade escolar.

Com um movimento mundial crescente a partir do ativismo de comunidades surdas de vários países como Itália e Espanha, torna-se imperioso educar as crianças surdas. Os institutos e associações espalham-se por várias cidades.

74 | As instituições surgem em outras cidades do Brasil, como o Instituto Santa Teresinha em São Paulo que inicia suas atividades em 1929 por iniciativa de duas freiras que regressam da França, onde estudam quatro anos em um instituto para crianças surdas, o Bourg-la-Reine. O Instituto Santa Teresinha atende somente meninas em regime de internato.

A educação inclusiva como política pública é impulsionada nos países signatários da Organização das Nações Unidas, como é o caso do Brasil, por seu caráter de direito humano e é defendida pelo Artigo 26º. da Declaração dos Direitos Humanos promulgada em 1948:

  1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

  2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

  3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos (ONU, 1948).

No Brasil, o Instituto Pestalozzi e a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) passam a atender também a educação das crianças surdas. Espalhados por várias cidades do país, abrangem cada vez mais famílias, arregimentando mais pessoas para pressionar as instituições governamentais a criar políticas públicas de subsídios e regulamentação da Educação dos Surdos.

Os setores sociais defensores da educação inclusiva pressionam governos e a Constituição Brasileira de 1988 reconhece a educação como direito fundamental dos cidadãos brasileiros em seu Artigo 205, Seção I – Da Educação, Cap. III, Tít. VIII: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento”

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) normatiza a educação de crianças e adolescentes visando ao “pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, os assegurando igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL,1990).

Com a regulamentação da educação de crianças e adolescentes, o respeito à diversidade no ambiente escolar para atender ao pleno desenvolvimento de cada uma e de todas é exigido pelos movimentos de inclusão. Estes, agora empoderados legalmente, passam a exigir legislação específica para o efetivo atendimento das crianças com deficiência, o que acontece em dezembro de 2000 quando é promulgada a Lei

10.098.

A comunidade surda se fortalece por meio de promulgação de leis subjacentes amparando crianças e crianças com deficiência e pelo aumento de membros que fundam e participam de diversas agremiações e instituições de atuação educacional, social e política e passam a exigir o reconhecimento oficial de sua língua.

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida pela Lei 10.436 de abril de 2002 e o Decreto 5.626 em seu Artigo 22 normatiza a educação dos surdos em Libras:

As instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica devem garantir a inclusão de alunos sur-dos ou com deficiência auditiva, por meio da organização de:

I - escolas e classes de educação bilíngue, abertas a alunos surdos e ouvintes, com professores bilíngues, na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental;

II - escolas bilíngues ou escolas comuns da rede regular de ensino, abertas a alunos surdos e ouvintes, para os anos finais do ensino fundamental, ensino médio ou educação profissional, com docentes das diferentes áreas do conhecimento, cientes da singularidade linguística dos alunos surdos, bem como com a presença de tradutores e intérpretes de Libras - Língua Portuguesa. § 1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (BRASIL, 2002).

| 75 As escolas municipais de educação bilíngue (EMEBs) para surdos são criadas pelo Decreto 52.785 de 10.11.2011 na cidade de São Paulo com ‘a finalidade de atender crianças, adolescentes, jovens e adultos com surdez e outras deficiências associadas, limitações, condições ou disfunções, e surdo-cegueira, cujos pais do aluno, se menor, ou o próprio aluno, se maior, optarem por esse serviço’.

Note-se que entre a normatização da Educação do Surdo e a criação das EMEBs em São Paulo há um fosso de 9 anos. Isso porque no Decreto 5.626 há a menção de prazos para as instituições se adequarem ao novo paradigma.

Além das EMEBs, escolas regulares aderem ao programa de Escola Polos Bilíngues aumentando a capacidade do município de atender o aluno surdo mais próximo de seu domicílio, como previsto no ECA.

A organização da comunidade escolar das escolas polos só acontece a partir da promulgação do decreto, não havendo prévia articulação entre professores e alunos com os diversos canais que podem preparar a transição de uma escola de ensino regular para uma escola bilíngue.

A falta de articulação impacta principalmente nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas que ao ter um novo grupo composto de alunos e professores surdos e intérpretes nas escolas não consegue sistematizar um plano de ação comum para a integração dos dois grupos. Além disso, alunos e professores ouvintes só passam a estudar Libras após a chegada efetiva do grupo de alunos e professores surdos nas escolas, o que impede a comunicação desde o início das atividades. Apesar de estarem no mesmo ambiente educativo os dois grupos demoram a compartilhar esse espaço, limitando-se a usá-lo ao mesmo tempo.

O conflito gerado nas unidades de ensino, longe de ser negativo, dá o ponta pé inicial para a discussão e articulação de uma ação integradora. A Secretaria Municipal de Educação (SME) convoca professores de surdos e ouvintes para formações com vista à qualidade da Educação dos Surdos para os alunos ingressos na rede regular.

No tocante à educação inclusiva ainda falta regular o ensino das crianças com deficiência, o que acontece com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência em 2015. Nesse estatuto, em seu Artigo 1º., estão as bases da articulação social da pessoa com deficiência:

É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania (BRASIL, 2015).

E, mais adiante, organiza o espaço social para convivência de todos. Além dos equipamentos sociais e garantias de direitos civis, trata especificamente da educação como um direito da pessoa com deficiência:

A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurado sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem (Ib., 2015).

Esse movimento nacional de asseguramento de direitos da pessoa com deficiência vai construindo as bases para o planejamento de práticas e ações que integra a pessoa com deficiência em sua diversidade aos ambientes educativos regulares numa perspectiva de educação inclusiva.

Pensar na proposta de um currículo inclusivo é, sem dúvida, um movimento que demanda a contribuição de todos os partícipes de uma Rede tão grande como a nossa. A qualidade dessa ação está na valorização da heterogeneidade dos sujeitos que estão em nossas unidades escolares e na participação dos educadores representantes de uma concepção de educação que rompe com as barreiras que impedem os estudantes estigmatizados pela sociedade, por sua diferença, de ter a oportunidade de estar em uma escola que prima pela qualidade da educação (SÃO PAULO, 2019).

Seguindo os preceitos da educação inclusiva e atendendo às demandas das EMEBs e escolas polos bilíngues, a SME forma grupos de trabalho (GTs) para organizar um currículo de libras e de português para surdos na busca de integração e qualidade na educação dos surdos.

Entenda-se por Currículo a “configuração, implantação, concretização e expressão de determinadas práticas pedagógicas e em sua própria avaliação, como resultado das diversas intervenções que nele se operam” (SACRISTÁN, 2000, p. 101).

76 | Em São Paulo em 2019, os cadernos intitulados Currículo da Cidade trazem as disciplinas regulares do Ensino Básico e mais duas disciplinas para as EMEBs e as escolas de educação bilíngue para surdos: Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa para Surdos.

Esses dois cadernos adicionais são propostas curriculares para alunos surdos, são referenciais e orientações dos trabalhos em disciplinas e entre elas nas unidades de ensino segundo seus marcos regulatórios:

Esta publicação [Currículo da Cidade] tem a cooperação da UNESCO e da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo no âmbito da parceria PRODOC 914 BRZ 1147, cujo objetivo é fortalecer a governança da Educação no Município de São Paulo por meio de ações de inovações à qualidade educativa e à gestão democrática (SÃO PAULO, 2019, p. 5).

Os cadernos são escritos a partir dos trabalhos produzidos em encontros com profissionais de educação da área específica e representantes da comunidade surda ligados à SME visando a reciclagem e formação continuada desses profissionais:

O documento foi elaborado a partir das vivências e experiências das pessoas surdas e dos profissionais que atuam na educação bilíngue na Rede Municipal de Ensino, constituindo-se como resultado de um trabalho dialógico e colaborativo que contou com a participação de professores, instrutores de Libras, representantes da comunidade surda, técnicos da Secretaria Municipal da Educação (SME) e pesquisadores da área (Ib., 2019 p.7).

Atores diversos discutem e produzem o documento que norteia o trabalho dos professores e o destinam:

[...] aos estudantes surdos matriculados nas Escolas Municipais Bilíngues para Surdos – EMEBS, nas Unidades Polo de Educação Bilíngue, e para os estudantes surdos matriculados nas classes regulares da Rede Municipal de Ensino de São Paulo com atendimento nas Salas de Recursos Multifuncionais (Ib., 2019 p.14).

O direito à educação de qualidade ainda é uma quimera para milhões de brasileiros que dependem da educação pública gratuita. Milhares de brasileiros em idade escolar estão fora da escola. Outros fora de série. Muitos evadem por não encontrar no ambiente educativo eco às suas necessidades. Por isso, cada conquista no que tange à educação representa, seguramente, uma conquista de todos nessa longa caminhada rumo a uma sociedade mais igualitária.

O direito do surdo de frequentar as escolas regulares e ter seu direito à Educação do Surdo com qualidade assegurado são dois conceitos distintos. Por isso, a luta pelo currículo comum de Educação do Surdo e que esse esteja alinhado com a proposta de educação bilíngue se faz necessária.

Ademais, os alunos surdos foram espalhados por unidades de ensino que traziam em seu bojo práticas pedagógicas diversas, o que torna plural o nível de aprendizado dos alunos. Na tentativa de uniformizar os níveis de aprendizado,

O Currículo da Cidade de Língua Brasileira de Sinais (Libras) busca aperfeiçoar as premissas de uma educação bilíngue para os estudantes surdos e, por isso, apresenta inter-relações com o Currículo da Cidade de Língua Portuguesa para Surdos, a fim de que os estudantes surdos construam conhecimentos sobre a sua primeira língua, Libras, e a sua segunda língua, a Língua Portuguesa na modalidade escrita.

[...] Que o Currículo da Cidade de Língua Brasileira de Sinais (Libras) oriente o trabalho nas escolas e, mais especificamente, na sala de aula. Para isso, a formação continuada dos profissionais da Rede, um dos pilares das ações de implementação, constitui-se essencial condição para o salto qualitativo na aprendizagem e no desenvolvimento dos nossos estudantes, premissa em que este documento está fundamentado (Ib., 2019, p.7).

Dessa maneira, a SME busca junto à comunidade surda atender suas reivindicações criando um currículo que crie possibilidades de integração não somente do surdo com o ouvinte no espaço escolar, mas de Libras com as outras disciplinas presentes no currículo escolar de âmbito municipal.

A busca de qualidade na educação passa, necessariamente, por incluir os grupos marginalizados por sua condição diversa. Não há qualidade na educação que exclui e marginaliza. Esse ganho de qualidade na educação do surdo da cidade de São Paulo reflete diretamente na sua interação, primeiro no espaço edu| 77cativo e, mais adiante, em sua ação social.

Tornar o sujeito um protagonista de sua própria história requer uma educação social que o permita a cidadania em seus diversos aspectos. A atuação social é ensinada e, em nossos tempos, a escola um espaço privilegiado para esse aprendizado.

Assim, o currículo é o articulador de ações que buscam dar condições e asseguram a aprendizagem e o desenvolvimento pleno de todos e de cada um nos ambientes educativos. A complexidade de sua criação se dá justamente por sua importância e não pode estar pronto em momento nenhum dado que ‘também precisa dialogar com a realidade das crianças e adolescentes, de forma a conectarem-se com seus interesses, necessidades e expectativas (SÃO PAULO, 2019, p. 21).

A cidade de São Paulo dá um importante passo rumo ao oferecimento de melhor qualidade na educação incluindo uma parcela da sociedade que está segregada dos ambientes educativos há muito tempo. Mas reconhece a necessidade de continuar promovendo essa qualidade buscando aperfeiçoamentos constantes, visto que,

Em tempos de mudanças constantes e incertezas quanto ao futuro, propostas curriculares precisam ainda desenvolver conhecimentos, saberes, atitudes e valores que preparem as novas gerações para as demandas da vida contemporânea e futura. Considerando a relevância para os estudantes da Rede Municipal de Ensino, o Currículo da Cidade estrutura-se de forma a responder a desafios históricos, como a garantia da qualidade e da equidade na educação pública, ao mesmo tempo em que aponta para as aprendizagens que se fazem cada vez mais significativas para cidadãos do século XXI e para o desenvolvimento de uma sociedade e um mundo sustentáveis e justos (Ib., 2019 p.21)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo da História da Educação a inclusão esteve presente de formas diversas. A inclusão social que até hoje não se concretizou e ainda é palco de intensas lutas também deu origem a lutas pela inclusão de outros segmentos sociais marginalizados como é o caso das pessoas com deficiências.

Apesar da dificuldade de acesso à educação regular, o processo educacional dessas minorias acontece de forma independente, embora incipiente e sem alcance democrático formam núcleos importantes para o surgimento de ações e articulações que culminam na garantia de direitos, inclusive ao do acesso à educação pública e gratuita.

A comunidade surda se articula em escala mundial promovendo debates, discussões, experiências pedagógicas, estudos e comprovações científicas que lhe rendem frutos como o reconhecimento da língua de sinais e seu direito de ser educada nela.

Como parte da sociedade e, portanto, detentora do direito de nela atuar e usufruir de seus bens e valores culturais, garante seu direito de frequentar a escola regular partilhando o ambiente educativo com os ouvintes.

Reconhecer seu direito de pertinência nessa sociedade é garantir sua educação com qualidade para que haja de fato a integração da comunidade surda na sociedade de ouvintes.

Educação de qualidade requer um Currículo que não seja apenas um documento, mas que seja antes um espaço de planejamento de interação e aprendizagens que levem ao exercício da cidadania.

Assim, a cidade de São Paulo não oferece Educação do Surdo por favor ou empatia, mas pelo resultado de muitos esforços empreendidos em trabalho e estudos e pela obrigação de integrar os sujeitos numa sociedade plural que entende a diversidade como patrimônio social.

O Currículo da Cidade – Libras e Língua Portuguesa Para Surdos é parte da reparação da dívida com a comunidade surda que esteve fora da educação nas escolas regulares, mas que não cessou sua contribuição social produzindo para e alimentando a mesma sociedade que a marginalizou.

78 | Criar as condições necessárias para que esse Currículo possa render frutos é de responsabilidade de toda a sociedade que deve continuar buscando os espaços para diálogos e intercâmbios a fim de torná-lo vivo e atuante, oferecendo condições para solução de conflitos e atualizações.

A inclusão de todos e de cada um é responsabilidade de todos e de cada um, como seres sociáveis que naturalmente somos nós, os seres humanos.

REFERÊNCIAS

ALBRES, N. A. Surdos & Inclusão Educacional. Rio de Janeiro: Editora Arara Azul, 2010

BRASIL, Constituição Federal. Cap. III, Seção I – Da Educação, de 05 de outubro de 1988. O direito à educação. Brasília, 1988

_____. Casa Civil. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida. Brasília, 2000.

_____. Casa Civil. Lei nº 10.426, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. Brasília, 2002

_____. Decreto nº. 5626. Regulamenta a lei de acessibilidade, nº 10.098 /2000 e a lei de libras, nº10.426. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 22 dez. 2005

_____. Secretaria Geral da República. Lei Brasileira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Brasília, 2015.

_____. Casa Civil. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Brasília, 1990. Instituto Nacional de Educação de Surdos. Site Oficial. Disponível em: http://www.ines.gov.br. Acesso em: 07.02.2020

GOMES, J. C. Educação Inclusiva Quem se responsabiliza? Curitiba: Appris, 2018. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=Gle8DwAAQBAJ&pg=PT1&dq= Educa%C3%A7%C3%A3o+Inclusiva:+Quem+se+Responsa-biliza?+Por+Jannine+da+Cunha+Gomes&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiI8veHn4noAhXPHLkGHaAGD6sQ6AEIK zAA#v=onepage&q&f=true Acesso em: 08.02.2020

GUEDES, Beto. Sal da Terra. Disponível em https://www.letras.mus.br/beto-guedes/44544/ Acesso em: 08.03.2020

Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em https://www.ohchr. org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por Acesso em 06.03.2020

SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3ª. Ed. Tradução: Ernani F. da Fonseca Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2000.

SÃO PAULO (ESTADO). Secretaria do Governo Municipal. DECRETO 52785, de 10 de novembro de 2011. Cria as Escolas Municipais de Educação Bilíngue para Surdos (EMEBS) na rede municipal de ensino. Imprensa Oficial.

______________. Secretaria Municipal de Educação. Currículo da Cidade – Língua Brasileira de Sinais. São Paulo: SME, 2019

______________. Secretaria Municipal de Educação. Currículo da Cidade – Língua Portuguesa Para Surdos. São Paulo: SME, 2019

Recibido el: 30/04/2020 Aprobado el: 29/06/2020

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